O Dia Mundial da Audição – a perspetiva do Otorrinolaringologista

A audição é um sentido crucial para a comunicação humana e para a interação com o ambiente ao nosso redor, tendo um papel importante na nossa saúde e bem-estar.
O Dia Mundial da Audição é comemorado, anualmente, a 3 de março, pela Organização Mundial da Saúde (OMS). De acordo com o relatório da OMS de 2022, há 1,5 biliões de pessoas a viver com surdez a nível mundial, sendo 196 milhões europeus, e estima-se que em 2050 este número irá aumentar para 230 milhões. 80% desta população mundial pertence a países com baixo e médio rendimento, sendo que a maioria não tem acesso a nenhuma intervenção (1).
Em Portugal, dados disponíveis, publicados num relatório de 2019 pela Brunel University of London, indicam 761 mil pessoas com surdez ligeira ou superior, sendo que 502 mil não estão tratados (2).
A audição é de extrema importância ao longo de toda a vida humana. Desde o momento do nascimento a audição normal é essencial para o correto desenvolvimento infantil, para a aquisição da linguagem, desenvolvimento cognitivo e de funções como a memória, a atenção e o processamento auditivo. Problemas auditivos em crianças podem afetar a fala, a leitura, a compreensão e o desempenho académico. Portanto, manter a audição saudável e tratar qualquer problema auditivo o mais cedo possível é fundamental para preservar a qualidade de vida, a saúde e o bem-estar.
No adulto, que inicia o processo de envelhecimento do ouvido com uma surdez sensorioneural ligeira, a intervenção precoce também é de extrema relevância e mais ainda na população idosa. Vários estudos têm comprovado este facto.
Um estudo recente do Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health, publicado na revista JAMA, em janeiro 2023, analisou 2413 participantes de residências comunitárias, metade dos quais com idade superior a 80 anos, e revelou uma relação estatisticamente significativa entre a severidade da surdez e a demência. A prevalência da demência entre os intervenientes com surdez moderada a severa era 61% superior relativamente aos participantes com audição normal. A utilização de próteses auditivas associava-se a 32% de menor prevalência de demência em 853 participantes com surdez moderada a severa (3).
Problemas auditivos em qualquer fase da vida podem afetar negativamente a qualidade de vida, causando dificuldades de comunicação, isolamento social, ansiedade e depressão.
A prevenção da perda auditiva passa por um rastreio eficaz e precoce desde os recém-nascidos e lactentes, às crianças em idade pré-escolar e escolar, população exposta a ruído ou a certos produtos químicos ou que tome medicação ototóxica e população idosa.
As intervenções atempadas asseguram que a população identificada com doença otológica e surdez possa atingir todo o seu potencial através de tratamentos médicos ou cirúrgicos, utilização de próteses ou implantes auditivos, reabilitação auditiva, emprego de tecnologia de assistência auditiva, aprendizagem de língua gestual ou serviços de legendagem.
Em conclusão, a audição e a cognição estão interligadas, e é importante manter a saúde auditiva e tratar a perda auditiva o mais cedo possível, para preservar e fomentar a capacidade do cérebro se adaptar e mudar. Esta capacidade tem um efeito positivo na qualidade de vida com redução do stress, ansiedade e depressão, melhorando a interação social, bem-estar físico, emocional e a autoestima.
1- https://www.who.int/teams/noncommunicable-diseases/sensory-functions-disability-and-rehabilitation/highlighting-priorities-for-ear-and-hearing-care [acedida em: 14.02.2023 22h]
2- https://www.hear-it.org/hearing-loss-in-europe [acedida em: 14.02.2023 22h]
3- Alison R. Huang, Kening Jiang, MH, Frank R. Lin; et al. Hearing Loss and Dementia Prevalence in Older Adults in the US. JAMA. 2023;329(2):171-173. doi:10.1001/jama.2022.20954
Ana Margarida Amorim
Otorrinolaringologista
Casa de Saúde Santa Filomena | Coimbra